domingo, 20 de outubro de 2013

Congo... O maior e mais sangrento conflito desde a 2º Guerra!

Precisamos falar sobre isso...

LWIBO - REP. DEMOCRÁTICA DO CONGO - Dessa vez, nem esperaram o disfarce da noite. Atacaram às claras, surpreendendo os aldeões na lavoura. Eram 11 horas, calcula Geni Mungo olhando para o céu - o relógio natural de Lwibo, vilarejo na Província de Kivu do Norte, na fronteira oriental da República Democrática do Congo. Ela os viu chegar de longe, pelo mato. Correu para casa para avisar os três filhos sobre o ataque, mas, ao saírem, os rebeldes estavam muito perto.
Alcançaram primeiro seu marido, abatido como um bicho. Ela titubeou, mas sabia que não poderia salvá-lo. Seguiu em direção ao rio. Moradores tentavam escapar, imaginando poder atravessar para o outro lado e sumir na mata. Alcançaram a ponte frágil de madeira. Armados com facões, os rebeldes cortaram as cordas.

Geni viu os corpos das duas filhas serem arrastados pela correnteza de outubro, mês das chuvas. Forjou com o caçula um esconderijo sob folhas de bananeira e ali ficaram até cessarem os gritos. Voltou à vila e encontrou a cabeça do marido, como as de outros homens da aldeia, secando ao sol em estacas - a marca do grupo liderado por um homem chamado Sheka.
O bando saqueou e botou fogo nas palhoças. Fugiu levando 45 crianças que estavam na pequena escola da vila no momento do ataque. Os meninos são feitos soldados. As meninas, escravas sexuais.
Dois dias após o ataque, quando o Estado visitou o local, os gritos de um professor de 25 anos, chamando cada aluno pelo nome, ainda ecoavam na mata - em vão. Ele tinha esperança de que as crianças, de 6 a 12 anos, assustadas, estivessem escondidas. O professor e todos à sua volta sabiam que isso era improvável. Geni buscava o corpo do marido - queria enterrá-lo inteiro - e os das filhas.
Assim se vive no Congo (antigo Zaire), buscando os desaparecidos e recolhendo corpos no rastro de ataques que ocorrem com frequência assustadora.
Em quase duas décadas, os confrontos no leste do país deixaram cerca de 6 milhões de mortos. É o maior e mais sangrento conflito desde a 2.ª Guerra, produziu mais vítimas do que todos os combates recentes somados. É o holocausto africano. Mas pouco se ouve falar sobre ele porque ocorre na floresta densa de um continente esquecido, a África, não mata brancos, não ameaça o Ocidente. Pelo menos, até agora.
O Congo é a maior e mais cara missão da ONU. E o retrato mais visível de seu fracasso.
"Muzungu! Muzungu!", gritam as crianças ao ver uma equipe da organização Médicos sem Fronteira (MSF), que chega para atender feridos. Não há. Nesse tipo de ataque, os rebeldes não deixam vivos para trás - matam os que podem alcançar. A ajuda humanitária trata outros fantasmas que assombram o Congo: malária, sarampo, cólera, desnutrição, infecções, traumas. Muzungu quer dizer branco - a MSF é uma dos raras entidades que chegam à região remota, com acesso dificultado por estradas esburacadas, enlameadas e dominadas por grupos armados.
Lwibo fica em uma área limítrofe entre territórios controlados pela Aliança de Patriotas por um Congo Livre e Soberano (APCLS), formado por homens da etnia hunde, e as Forças Democráticas para a Liberação de Ruanda (FDLR), de hutus (veja mapa na página A15). Numa espécie de vácuo, o vilarejo fica exposto a ataques de forasteiros como Sheka, de outra região - o que faz com que a população prefira estar sob a mão pesada de um grupo rebelde de sua etnia, que lhes cobra impostos em troca de proteção.
As chacinas de homens, os estupros de mulheres e os sequestros de crianças tornaram-se armas de guerra no Congo. Servem para humilhar o oponente e mandar-lhe um recado: não mexa com a minha área ou vou invadir seu território e massacrar seu povo.
Cobiça. É uma guerra travestida de conflito étnico, mas que esconde interesses mundanos: os trilhões de dólares enterrados no solo vermelho do leste do Congo. O maior país da África subsaariana é também o mais rico em recursos naturais, confiscados desde a colonização belga. Hoje, essa riqueza financia as milícias sem que o povo veja um tostão. Ao contrário disso, são explorados no trabalho pesado das minas.
Ouro, diamantes, coltan - minério que contém tântalo, usado em aparelhos de celular e tablets - são contrabandeados para países vizinhos como Ruanda, Uganda e Burundi. Calcula-se que apenas 10% das minas do Congo sejam exploradas legalmente.
O comandante Sheka era responsável por um dos centros de negociações de minérios da estrada entre Lobuto e Walikali, onde estão pequenas aldeias satélites das minas escondidas na floresta. Um dia, ele matou o patrão, roubou seu dinheiro e iniciou seu próprio grupo Mai-Mai - nome dado às gangues locais, com interesse puramente econômico.
Em uma pista improvisada de pouso na altura de Kilambo, pequenos aviões aterrissam e decolam com frequência. "Trazem equipamentos para mineração e voltam levando sacos de minerais", disse ao Estado o especialista de uma organização internacional, há sete anos no Congo. "O destino oficial é Goma, mas extraoficialmente... Como explicar que Ruanda e Uganda se tornaram exportadores de minérios? Onde estão suas minas? Vendem para mercados como a China e, de lá, para EUA e Europa, que lavam as mãos sobre a procedência."
O governo congolês é visto como fraco e corrupto. Enquanto a reportagem conversava com moradores de Lwibo, jovens do FDLR passavam caminhando tranquilamente com velhas Kalashnikov; um deles trazia um porco no laço e uma AK-47 personalizada - o cabo de madeira pintado de branco e o metal de um dourado reluzente, possivelmente ouro.
À luz do dia, controlam vilarejos e estradas. Vigiam seus impérios miseráveis do alto de pequenos montes - milicianos desleixados e maltrapilhos, armados com fuzis de assalto, o cinturão de balas à tiracolo, óculos escuros com o aro irremediavelmente dourado e um cigarro de bangi (a maconha congolesa). Pela estatura, alguns aparentam ter 11 ou 12 anos, mas num país como o Congo não é possível saber a idade - a desnutrição impede o crescimento, enquanto a guerra endurece o semblante e envelhece seus rostos, enrugados e com marcas de navalha. São crianças velhas.
Entre Lwibo e Masisi, havia pelo menos três postos de checagem: cabanas de madeira e cancelas de bambu, onde os rebeldes cobram pedágio de camponeses que passam com banana, mandioca, amendoim para vender no vilarejo mais próximo - tomam-lhes algo como 10% da colheita. "Todos os grupos armados sobrevivem da exploração das minas. É uma questão-chave desse conflito. Os impostos são um complemento", disse o especialista.
O Estado viu minas de coltan - pequenas Serras Peladas negras - e, à noite, caminhões sendo abastecidos com o material sob a vigilância dos rebeldes. Um bando armado estava a 500 metros da base da Missão da ONU em Nyabuondo. Dois jovens se aproximam do carro da MSF, que transportava uma grávida em trabalho de parto. Só se vê o brilho do cano de seus fuzis e o branco dos olhos. Querem revistar o carro. "MSF!", avisa o motorista. A organização, neutra, não permite que homens armados entrem no carro e trafega sem seguranças. "Sigara! Um cigarro!", eles pedem. E somem na escuridão.
A Missão de Estabilização da ONU na República Democrática do Congo (Monusco), liderada pelo general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, ameaça usar a força pela primeira vez contra os combatentes do movimento M23. A milícia recebeu a ordem de entregar seu armamento até hoje, às 17 horas de Brasília.
O alerta foi emitido na terça-feira (30 de julho), quando foi dado o prazo de 48 horas para que os rebeldes abandonassem a violência. O grupo atua na região de Goma, no leste do país, na fronteira com Ruanda e Uganda. Caso eles não deponham as armas, a ONU ameaça "usar a força".
A Monusco ordenou que os rebeldes "deixem suas armas na base" da missão e passem a aderir ao programa de desmobilização. Se isso não for respeitado, eles "serão considerados uma ameaça para os civis" e as medidas necessárias para desarmá-los serão utilizadas.
Em março deste ano, o Conselho de Segurança da ONU votou a criação de uma brigada de intervenção com mandato ofensivo. Ou seja, não se trata mais apenas de uma força de manutenção da paz. O grupo deve contar com mais de 3 mil soldados para combater os grupos rebeldes no leste da República Democrática do Congo. O principal foco é o M23, acusado de receber armas do governo de Ruanda, que nega.
No dia 16 de setembro deste ano, a freira congolesa Angélique Namaika venceu o Prêmio Nansen, considerado o mais elevado tributo a defensores dos direitos humanos. Assim, o Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) chamou a atenção para o conflito na República Democrática do Congo (RDC). O trabalho de Namaika no Congo:

O extremismo cristão também faz vítimas na África há mais de 30 anos. A violência do Exército de Resistência do Senhor (LRA, na sigla em inglês) atinge as populações de quatro países da África Central, onde 440 mil pessoas se viram forçadas a deixar suas casas e cidades neste ano, segundo relatório do Alto-Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), do Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC) e do Conselho Norueguês de Refugiados (NRC). A proporção de deslocados e refugiados - 20% da população - não é alcançada nem mesmo na Síria em conflito.
Nas última três décadas, o total de deslocados pelas ações violentas do LRA chegou a 2,5 milhões. O grupo atua na República Democrática do Congo (RDC), em Uganda, no Sudão do Sul e na República Centro-Africana, onde deixa rastros de massacres, mutilações, estupros, sequestros e pilhagens. Crianças e adolescentes têm sido raptados para a escravidão sexual, o trabalho servil e os combates, como soldados.
O relatório "Uma Vida de Medo e Fuga", descreve o ambiente inóspito e as condições de extrema pobreza da população local. Casos de brutalidade do LRA vão além dos ataques violentos a pequenas cidades e vilarejos. Segundo o relatório, Josiane, de Dungu (RDC), teve os lábios cortados com uma lâmina de barbear por soldados do LRA, enquanto era insultada. Vumiliya, da mesma localidade, assistiu à morte brutal do irmão neste ano. Ele foi esfaqueado no corpo, cabeça e olhos e decapitado com um facão. Um garoto sequestrado pela guerrilha relatou sua experiência à Human Rights Watch há três anos, na RDC.
O LRA nasceu em 1987 do messianismo de seu líder, Joseph Kony. Ele alegou ser o "porta-voz de Deus" e dos espíritos cultuados na tradição acholi, etnia presente no norte de Uganda e no Sudão do Sul. Sob bandeira vermelha, negra e azul, Kony mobilizou combatentes de outros grupos nacionalistas dispersos para a construção de um Estado teocrático na África Central. Aos seus soldados, aconselha a desenhar uma cruz no peito com óleo de carité, para proteção do fogo inimigo.
Não existe certeza sobre o número total de seus seguidores e sobre o financiamento de suas ações. Em 2005, Kony foi acusado na Tribunal Penal Internacional e entrou na lista dos dez mais procurados no mundo.
Há dois anos, a Casa Branca enviou 100 militares como conselheiros para as forças dos quatro países vítimas do LRA. No ano passado, a organização Invisible Children lançou o documentário Kony 2012, com o objetivo de chamar a atenção das autoridades e pressioná-las a apoiar a caça ao líder guerrilheiro. O vídeo foi visto por mais de 100 milhões de pessoas e promoveu a arrecadação de cerca de US$ 20 milhões. Como resposta, os quatro países coordenaram uma ação com 5 mil soldados para tentar prender Kony.

ADRIANA CARRANCA , ENVIADA ESPECIAL
O Estado de S.Paulo

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